Perspectivas para o Bilionário Mercado de Entretenimento Audiovisual
Publicado em 09/03/21 por William Koga.
“Em nossos mais de 20 anos de história, nunca vimos um futuro tão incerto e inquietante.”. Foi com essa frase que a Netflix abriu a sua carta aos acionistas durante a primeira aceleração da pandemia, em 21 de abril de 2020, apresentando os resultados financeiros do primeiro trimestre de 2020[1]. Na segunda carta do exercício, a empresa já enxergava novos contornos: “vivemos em tempos incertos com restrições sobre o que podemos fazer socialmente e muitas pessoas estão se voltando para o entretenimento para relaxamento, conexão, conforto e estímulo”[2]. O canal de streaming acabou sendo muito beneficiado neste cenário único, anotando forte crescimento no número de novas assinaturas. Com o aumento nas suas receitas, a Netflix direcionou seus recursos para melhorar a qualidade de sua plataforma e trazer novos filmes e séries às telas do seu público.
No final de 2020, em 20 de outubro, a Netflix alertou seus acionistas que a maior competição que vinha enfrentando era pelo o tempo de engajamento dos seus consumidores. “Televisão regular e outras grandes categorias de entretenimento, como videogames e conteúdos divulgados no YouTube ou TikTok, estão todos competindo pela atenção dos nossos expectadores”[3].
E não apenas isso, o grande crescimento no setor de entretenimento via streaming atraiu grandes nomes da indústria, como Disney, Warner e Discovery. Recentemente, em janeiro de 2021, a Netflix destacou “estava se movendo rapidamente para aumentar e fortalecer a sua biblioteca de conteúdos originais em diversos gêneros e países”[4] em resposta a este movimento de entrada de novos competidores.
No exercício de 2020, a Netflix registrou 37 milhões de novas assinaturas, apurou uma receita de 25 bilhões de dólares e crescimento de 76% no seu lucro, que chegou a 4,6 bilhões de dólares.
Este resumo do ano passado (pela perspectiva das cartas aos acionistas da Netflix) mostra que a concorrência no mercado de entretenimento audiovisual está acirrada. É uma guerra que deverá ser vencida pelos canais que tiverem maior capacidade de gerar ou obter conteúdo original, diversificado e de qualidade.
William Koga, sócio e cofundador da ICE Capital, conversou sobre o mercado de entretenimento audiovisual com Jotagá Crema[5], que foi um dos roteiristas e um dos diretores da série 3% (Boutique Filmes), primeira série Original Netflix brasileira.
Quais são as principais etapas que devem ser cumpridas para que um projeto audiovisual chegue às telas?
Depende do tipo de projeto audiovisual. Nas séries, a primeira etapa é a criação e o desenvolvimento artístico do projeto. É recomendável produzir uma “bíblia de venda” e o roteiro do piloto. Tudo isso para formar uma visão do todo e explicar [na bíblia] como a série funciona.
É um diferencial filmar alguma cena do piloto ou produzir um ‘promo’ antes de levar o projeto para apresentação a um player (canal convencional ou de streaming).
O pitch do projeto ao player pode ser feito de forma independente ou junto com uma produtora, isso é opcional. De qualquer forma, caso haja interesse do player no desenvolvimento do projeto, deverá ser definida a produtora que irá executá-lo. Mas, isto pode ser feito antes ou depois.
Na sequência, o projeto entra em sala de roteiro, que pode durar de seis meses a um ano. Idealmente, após a preparação das primeiras versões do roteiro é que se deve iniciar a fase de pré-produção. Já com uma visão mais concreta do arco da série, a produção pode alocar de forma mais eficiente o orçamento do projeto. A fase de pré-produção se estende por dois a cinco meses, em média.
Cumprida esta etapa, iniciam-se as filmagens, que podem levar de dois, quatro meses até um ano, dependendo das dificuldades das cenas, da quantidade de episódios, das complexidades, de uma forma geral. Depois de tudo filmado (isto é, tudo produzido) começa a fase de pós-produção, que inclui a montagem, os efeitos especiais [os efeitos de vídeo, não aqueles feitos no set], edição e mixagem de som, correção de cor. A pós-produção pode levar quatro a seis meses.
Sendo muito breve, este é o caminho da concepção até a série chegar às telas.
Qual o fator que mais influencia no sucesso da comercialização (cessão) dos direitos autorais a um canal?
Eu acho que são dois fatores, igualmente importantes. De um lado é a ideia, que deve se encaixar na grade do canal, estar alinhada ao seu público-alvo ou atingir o nicho que o canal está mirando (isto é muito comum em canais de streaming, que tem vários públicos diferentes na mesma plataforma). Também deve ser analisado se a série se conecta artisticamente e se anima os executivos do canal.
Do outro lado, está a viabilidade da série, a possibilidade de se executar a série, se ela é factível dentro do orçamento que foi previsto ou designado. É dentro deste fator que é avaliada a capacidade da produtora em executar a série, com a qualidade pretendida pelo canal e dentro do cronograma estabelecido.
O canal sempre irá prestar atenção nestes dois aspectos e irá avaliar o caminho mais eficiente para atingir o seu nicho. Por exemplo, alguns gêneros são mais caros, como terror, ficção científica, fantasia, ação, outros são mais baratos como drama, comédia, sitcom. Por isso, o sucesso, aqui, depende do alinhamento do projeto com o público que o canal pretende atingir e o orçamento que ele tem disponível para isto.
Qual o valor médio do pagamento pela cessão de direitos autorais aos criadores? Em que momento é pago?
Isso varia bastante, depende de cada projeto e da experiência do criador. A média fica em torno de 5% do orçamento da série, incluindo remuneração pela elaboração do roteiro e uma participação na receita líquida do produtor (RLP), ainda pode ser computado o valor da bíblia[6] em separado.
No caso das séries, o valor é pago quando se fecha a venda do projeto com o canal. No cinema é um pouco diferente, depois de fechada a produção depende da forma de distribuição, que envolve a efetiva colocação do filme nos cinemas.
Quais são as perspectivas para a indústria de entretenimento visual no pós-pandemia?
Estamos vivendo um boom do entretenimento audiovisual, principalmente no streaming, durante esse período de pandemia. Obviamente, teve também uma queda para o cinema, por conta do fechamento das salas. Mas, haverá um segundo momento para ele. Agora, ainda estamos vendo vários lançamentos de filmes. Porém, são produções realizadas em 2019 ou no começo de 2020, que tiveram suas estreias adiadas. Atualmente, não existem tantos novos lançamentos e durante o ano de 2020, em razão das regras de distanciamento social, a grande maioria das produções foi suspensa.
No Brasil, são poucas produções que estão acontecendo, especialmente no entretenimento (sem considerar as publicitárias). A COVID está prejudicando bastante o andamento das filmagens. São feitos exames frequentes para COVID e quando uma pessoa testa positivo as produções têm sido suspensas.
Pensando em um cenário futuro de imunidade coletiva, com a vacinação de boa parte da população, a tendência é que as produções voltem com força. Existe uma grande demanda por conteúdo, vários players de streaming estão surgindo, grandes estúdios estão lançando os seus próprios canais (como a da Disney+, HBOMax, a Starz e a própria Globo com a Globoplay). A guerra anunciada do streaming foi interrompida pela COVID e a tendência é que, com a regularização desta situação, surja uma demanda forte por produção (e do lado da produção está o conteúdo).
O que gera audiência são coisas inéditas. Existe essa tendência no audiovisual. Os expectadores querem coisas novas, querem novas produções. A demanda por conteúdo original é forte, mas está represada pela paralisação das produções.
A cada dia estão chegando novos canais e a guerra entre eles deve se acirrar. Hoje, este mercado está capitalizado com o crescimento no número de assinantes, logo os players vão buscar novas produções e novos conteúdos, para tentar atrair por mais tempo a atenção dos expectadores.
Créditos da foto: Pedro Saad – Netflix
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[1] https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2020/q1/updated/FINAL-Q1-20-Shareholder-Letter.pdf
[2] https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2020/q2/FINAL-Q2-20-Shareholder-Letter-V3-with-Tables.pdf
[3] https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2020/q3/FINAL-Q3-20-Shareholder-Letter.pdf
[4] https://s22.q4cdn.com/959853165/files/doc_financials/2020/q4/FINAL-Q420-Shareholder-Letter.pdf
[5] Também é um dos criadores de “Cinelab” (Boutique Filmes – Universal Channel), foi diretor geral da série “O Zoo da Zu” (Discovery Kids), participou do desenvolvimento e foi um dos roteiristas de “S.O.S. Fada Manu”, ambas séries indicadas ao Emmy Kids Internacional. Um dos criadores, um dos roteiristas e um dos diretores da série “Experimentos Extraordinários” (Boutique Filmes – Cartoon Network, Futura e Netflix) e um dos criadores da animação “Papaya Bull” (Boutique Filmes -Nickelodeon). Participou do desenvolvimento de “As microaventuras de Tito e Muda” (Glaz – Discovery Kids e TV Brasil). Foi consultor de roteiro da série “Terrores Urbanos” (Sentimental Filmes – Record e Warner). Recentemente trabalhou na direção da quarta temporada de “3%”
[6] Equivalente a R$60.000,00 (sessenta mil reais) de acordo com a Tabela de Preços da Associação Brasileira de Autores e Roteiristas.